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Nota apresentada pelo Dr. António Pedro Costa, na comemoração do 113º aniversário da Santa Casa

Senhor Presidente da Câmara Municipal do Nordeste
Senhora Diretora da Solidariedade Social
Senhor Deputado
Presidente da Assembleia Municipal
Senhor Provedor da Santa Casa do Nordeste e Mesa Administrativa
Senhores Provedores das Misericórdias de S. Miguel
Caros trabalhadores desta Misericórdia
Ilustres convidados

Agradeço a oportunidade que me é concedida para aqui partilhar convosco algumas reflexões — nascidas não da frieza de uma dissertação académica, mas fruto da vivência, da proximidade construída ao longo dos anos com as Santas Casas da Misericórdia, contribuindo para uma compreensão da missão, dos desafios e do impacto de instituições que, fundadas há séculos, continuam a ser pilares fundamentais na edificação de uma sociedade mais justa, mais solidária e mais humana.

A sua presença constante, serena e incansável, na comunidade, permanece como testemunho vivo de uma fidelidade inquebrantável à dignidade do ser humano. É pela via da experiência concreta que melhor se revela a essência destas Misericórdias: entidades que, sem clamor, sem ruído, promovem diariamente o bem comum.

Todos sabemos que foi pela mão da Rainha Dona Leonor — mulher de visão rara e coração iluminado — que nasceu, no alvorecer do século XVI, esta notável tradição das Santas Casas da Misericórdia. Fundadas sob a luz do pensamento cristão, e inspiradas nas catorze obras de misericórdia, estas instituições nasceram para servir. E têm servido.

Ao longo de mais de cinco séculos, enfrentaram as tormentas da História, resistiram às mudanças sociais, políticas e religiosas, sem jamais perderem a sua alma fundadora. Foram, e continuam a ser, presenças firmes em tempos de incerteza; vozes de compaixão quando o mundo se cala.

Reinventaram-se, sim, mas nunca se afastaram da sua essência. Hoje, mantêm um vasto leque de respostas sociais, educativas e assistenciais, muitas vezes preenchendo lacunas deixadas pelo próprio governo. São, em muitas localidades, o último reduto do cuidado, o primeiro rosto da esperança.

A sua perenidade não é apenas memória — é atualidade. É sinal de que, mesmo nos tempos de acelerada mudança, os valores da solidariedade e da dignidade humana permanecem como necessidades fundamentais e irrenunciáveis.

Permitam-me que evoque hoje a Santa Casa da Misericórdia da vila do Nordeste — fundada já no século XX, pela ação visionária de António Alves de Oliveira, seu primeiro Provedor, e pelo Reverendíssimo Padre José Lucindo da Graça e Sousa. Nascida com vocação hospitalar, numa terra esquecida pelo sistema de saúde, esta Santa Casa ergueu-se como refúgio dos pobres, dos doentes, dos que nada tinham.

Mais tarde, com a Revolução de Abril e a renovação das políticas sociais, a Santa Casa do Nordeste soube adaptar-se. Passou a olhar com atenção redobrada para a infância, para os idosos, para os vulneráveis, continuando a ser elo entre um passado de caridade e um presente de solidariedade com rosto humano.

No Nordeste, muitas vezes apelidado de “décima ilha” pelo seu isolamento geográfico, esta Santa Casa não é apenas uma instituição: é parte da alma coletiva, é guardiã de vínculos, é força viva na economia do Nordeste. O seu papel, tanto no plano humanitário como no plano económico, é absolutamente vital.

Hoje, as Misericórdias afirmam-se, com toda a legitimidade, como esteios daquilo a que chamamos Economia Solidária. Nos territórios de baixa densidade, são, em muitos casos, os principais empregadores. Prestam serviços essenciais. Criam laços, seguram pessoas, alimentam comunidades.

Mas é também verdade que enfrentam crescentes desafios. A sua sustentabilidade está ameaçada por dificuldades financeiras que se tornam crónicas. Dependem de acordos com o governo e há muitas vezes um desequilíbrio entre a quota de esforço destas instituições e o apoio que recebem.

Esta dependência, embora reveladora do reconhecimento da sua importância, denuncia, ao mesmo tempo, a fragilidade de um modelo que carece de revisão urgente.

As Misericórdias são instituições do foro canónicas, mas são também IPSS’s com personalidade jurídica e autonomia. Porém, a sua ação está condicionada por normativos e exigências que as colocam numa posição ambígua: não pertencem ao setor público, mas assumem, na prática, funções públicas.

As verbas atribuídas, e aqui reconhecemos o grande esforço do ISSA, da Direção Regional da Solidariedade Social e das autarquias para apoiar as Misericórdias, são muitas vezes insuficientes. E não basta que cheguem — têm de chegar de forma justa e estável. Só assim será possível garantir a continuidade de serviços fundamentais, como creches, lares, centros de dia, unidades de cuidados continuados, ou projetos educativos.

É imperativo, por isso, repensar o paradigma da cooperação entre o governo regional e o setor solidário. É tempo de um novo pacto: um pacto de corresponsabilidade e de visão partilhada. Um pacto que reconheça a centralidade das Misericórdias na construção de uma Região mais coesa e mais digna.

Não podemos continuar a exigir que estas instituições façam muito, com tão pouco. A sua resiliência é admirável, mas não pode ser pretexto para o descomprometimento político. É preciso, com urgência, um compromisso firme e financiamento justo.

As Santas Casas da Misericórdia são mais do que instituições. São heranças vivas. São sementes que continuam a florescer. São rostos que acolhem, mãos que levantam, presenças que permanecem.

E para além da sua dimensão cristã, humanitária e assistencial, são também agentes económicos de relevância estratégica. Criam emprego, sustentam famílias, animam economias locais, reforçam identidades. São, em suma, pilares estruturantes da vida comunitária.

Num tempo marcado pela vertigem das transformações — sociais, económicas e tecnológicas — é previsível, e até imperioso, que as Santas Casas da Misericórdia continuem a desempenhar um papel absolutamente vital no seio do sistema de proteção social.

O seu futuro, no entanto, não está assegurado por inércia. Ele dependerá, em grande medida, da sua capacidade de se adaptar, com inteligência e coragem, às realidades emergentes. Será necessário reinterpretar a missão fundadora destas instituições — sem jamais a trair — à luz dos novos dilemas e exigências do nosso tempo. Manter o espírito, renovando a forma. Preservar a identidade, ousando a inovação.

Entre os desafios mais prementes que já despontam no horizonte, destaca-se, de modo incontornável, o envelhecimento demográfico. O aumento da esperança de vida — uma conquista civilizacional de que nos devemos orgulhar — traz consigo responsabilidades acrescidas. A estrutura etária das nossas comunidades está a mudar, e com ela, crescem as exigências sobre os serviços de apoio ao domicílio, os cuidados de longa duração e os cuidados paliativos.

Estas são áreas onde as Misericórdias já se afirmam como protagonistas e modelos a replicar. Contudo, no tempo que se aproxima, serão convocadas a fazer mais. A ampliar a sua capacidade de resposta. A investir, com visão e empenho, na qualificação dos seus recursos humanos e na melhoria contínua dos serviços que prestam. A cuidar melhor, a cuidar com mais.

Paralelamente, assistimos a um fenómeno silencioso, mas devastador: a solidão. Um mal-estar difuso que afeta, em particular, a população sénior. Combatê-lo exige mais do que apoio material. Exige presença. Escuta. Relação. Requer modelos de intervenção social que promovam redes de suporte afetivo, o envelhecimento ativo, a inclusão comunitária. A União Europeia tem vindo a trilhar este caminho, e os exemplos vindos dos países do norte da Europa revelam-se inspiradores. Há soluções que podemos — e devemos — adaptar à nossa realidade.

Vivemos também tempos marcados pela mobilidade e pela diversidade. Novos rostos, novas línguas, novas histórias chegam às nossas comunidades. Cabe às Santas Casas responder a esta pluralidade com sensibilidade, respeito e competência cultural. A justiça social exige um olhar atento e inclusivo, capaz de acolher o imigrante, de proteger o sem-abrigo, de amparar o jovem em risco.

Exige que sejamos, todos, guardiães da dignidade de cada um.

No plano da sustentabilidade institucional, permanece — como já referi — a questão crónica da dependência do financiamento público. Por isso, é urgente diversificar. Estabelecer pontes com o setor privado, com fundações, com organizações da sociedade civil. Procurar novas fontes de apoio e novos modelos de cooperação. Bem sei que esta tarefa se revela particularmente difícil em territórios de pequena escala, como o Nordeste. Mas é precisamente aí que a criatividade e a articulação institucional podem fazer a diferença.

A transição digital é outro dos grandes imperativos do presente. As Santas Casas não podem permanecer à margem deste movimento. A formação contínua dos seus profissionais, sobretudo em competências tecnológicas, é essencial. Mas é igualmente importante que assumam um papel pedagógico, promovendo a literacia digital junto das populações mais vulneráveis. Combatendo, deste modo, uma nova forma de exclusão: a exclusão digital.

E não podemos, nesta reflexão, esquecer a dimensão ecológica. A responsabilidade ambiental é hoje, mais do que nunca, parte integrante da ética do cuidado. Inspiradas na encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, as Misericórdias devem integrar nos seus quotidianos práticas sustentáveis, projetos educativos e iniciativas que promovam comportamentos ecologicamente conscientes. Cuidar do outro é também cuidar da Casa Comum.

Senhoras e Senhores,

O futuro das Santas Casas da Misericórdia será, inevitavelmente, moldado por estas e outras dinâmicas. Mas a sua essência permanece. A sua alma — feita de serviço e de esperança — continua inalterada. E é a partir dessa alma que hão de enfrentar os desafios que se avizinham.

Para isso, será necessário investir numa gestão mais estratégica, mais profissionalizada, mais aberta ao mundo. Será necessário inovar, expandir a oferta de serviços, estabelecer parcerias, entrar nas redes e nas dinâmicas sociais com confiança e determinação.

No contexto particular da vila do Nordeste, a Santa Casa deverá continuar a ser o que sempre foi: um ponto de referência. Um pilar identitário, cultural e social. A população espera — e tem o direito de esperar — que esta instituição continue a prestar cuidados essenciais, mas também que reforce o seu papel como dinamizadora do tecido comunitário, valorizadora das tradições locais, promotora de cultura, de participação e de cidadania.

A sua missão futura dependerá da sua escuta. Da sua humildade para compreender o que muda. Da sua ousadia para responder com fidelidade e criatividade às novas circunstâncias, sem jamais abdicar dos seus valores fundacionais.

Proximidade, inovação, solidariedade e justiça social deverão continuar a ser os pilares que sustentam esta Santa Casa — não apenas de basalto negro e cimento, mas de espírito.

Permitam-me concluir convocando as palavras sempre luminosas do Padre Milícias, cuja sensibilidade humanista permanece como um farol ético para todos nós:

“Num tempo em que tantas instituições se perdem na burocracia ou na indiferença, as Misericórdias continuam a ser faróis de humanidade viva e o centro de uma constelação onde gravitam a ternura, a bondade, a paciência, o respeito, a compaixão, a reconciliação e a atenção ao outro.”

Senhor Provedor

Que esta luz — discreta, mas perene — nunca se apague. Pois nela brilha o melhor da nossa condição humana. E nela se espelha o sentido mais sagrado da missão das Misericórdias, concretizada nestes 113 anos pelo trabalho de tantos e tantos voluntários que pertenceram às Mesas Administrativas desta vetusta instituição até aos dias de hoje.

Muito obrigado.

António Pedro Costa

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